Muita gente deve estar se perguntado: que mato que esse tal de DJ Saddam fumou pra vir com um título de texto desses? Aí eu respondo: fiz uso de algumas das piores drogas existentes no mundo: o preconceito, o elitismo e o reacionarismo, embutidos no texto do escritor Ruy Castro, amante da Bossa-Nova e autor do livro “Chega de saudade”, no JB online, ao querer polemizar com o projeto anunciado pela Secretária Municipal de Cultura do Rio, Jandira Feghali de erguer no bairro boêmio da Lapa, o Centro de Referência da Cultura Hip Hop, a “Casa do Hip Hop da Lapa”.
Segundo Rui Castro: “ Uma casa de hip hop na Lapa equivale a implantar um McDonalds na Albânia. Tenho fé em que a secretária Jandira, albanesa de coração, não levará adiante esse absurdo. Além disso, como médica, ala sabe que o hip hop faz mal à saúde.”
Percebemos na afirmação obtusa do escritor, que quis fazer gracinha para os seus pares conservadores, um profundo preconceito não só ideológico mas também social e musical, que ultrapassa os limites da sensatez e que, infelizmente é comungada não só por outros escritores e jornalistas, mas também por alguma parte da classe artística.
Isso ocorre como uma história cíclica que volta de décadas em décadas para imprimir todo o seu preconceito com a cultura que vem do andar de baixo, principalmente aquela que é oriunda dos negros. Foi assim com o samba, que era tratado em meados do século passado como “coisa de crioulo vagabundo”, foi assim com a capoeira e hoje em dia é com o hip hop (principalmente em São Paulo onde as raízes com a periferia são fortíssimas) e o funk, que no Rio é o ritmo das comunidades.
Muita gente fala, com relação ao Hip Hop, que se trata de “cultura gringa” que não deve ser apoiada pelo poder público, que deveria estimular a cultura nacional. Se partirmos deste pressuposto, veremos que várias facetas da nossa cultura como o próprio samba, o jongo e o maracatu, não tiveram suas origens no Brasil e sim na África e logo, partindo deste princípio, a Bossa Nova que é derivada do samba, também não poderia ser enquadrada como “cultura nacional”.
Ainda mantendo esta linha de pensamento, o Rock, o Jazz, o Blues e a própria música erudita também não poderiam receber apoio do governo pelas suas origens norte-americanas e européias.
A grande questão não é essa, mas sim o ponto central deste preconceito com aquilo que vem da favela, da maloca, dos bairros mais afastados e, principalmente, da raça negra. Por mais que este tipo de, segundo estes conservadores,“subcultura”, seja responsável por tirar milhares de jovens em todo o Brasil do caminho do crime e da droga, constituíndo um novo horizonte para estes jovens, vamos ter que aturar reações como a de um famoso cantor brasileiro, que em um acesso de raiva, talvez pelo atual ostracismo de sua carreira esbravejou: “Eu odeio funk, eu odeio hip hop, eu odeio esse negócio de bater tambor! (se referindo ao Afroreggae)”. Aí na mesma hora eu pensei na camiseta do Afroreggae que diz: “O Jovem que veste essa camisa não usa outra para esconder o rosto”. O seja: talvez o ilustre cantor preferisse que cada jovem daquele em vez de um tambor pendurado tivesse uma AK-47. É como diz trecho da música do meu parceiro MV Bill: “Talvez quando o sangue bater em sua porta você entenda, que ser preto e pobre é foda”.
Mas, deixando esta cambada reacionária de lado, cuja a reação só vem comprovar o quanto o hip hop incomoda, vale registrar que tal enquete do JB online com 10 pessoas ligadas à cultura, só encontrou críticas à Casa do Hip Hop no escritor retro mencionado, com os demais entrevistados concordando com a iniciativa, que foi um pleito legítimo apresentado à Jandira pelo movimento hip hop carioca, especialmente os companheiros ligados à cena da Lapa, que sem sombra de dúvidas é a mais representativa da cidade, de onde saíram nomes como Marcelo D2, MC Marechal, Gustavo Black Alien, Inumanos, A Filial, B Negão e Quinto Andar, entre muitos outros.
Será levado adiante pela Secretaria Municipal de Cultura e contará com salas para oficinas, anfiteatro para a realização de pequenos shows, batalhas de Mcs, debates e exibição de filmes, estúdio de gravação e rádio comunitária. Esta casa será apenas a coroação das políticas públicas que pretendemos desenvolver para o setor, que estão sendo iniciadas com o oferecimento de oficinas nas lonas culturais da cidade do Rio, localizadas em bairros afastados da Zona Norte e Oeste e que atendem as comunidades locais e, até então, não dispunham de atividades ligadas ao Hip Hop. Vamos construir uma nova realidade para a cena do Rio de Janeiro, apesar da oposição de alguns.
PS: Artigo também publicado no site Vermelho
Aori e CJNK - "Fofoca" (Clipe oficial)
Há 2 anos
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