segunda-feira, 13 de julho de 2009

O DIREITO, O FUNK E A HIPOCRISIA

Constituição Federal :
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;


A nossa Constituição completou em outubro do ano passado 20 anos de existência. O seu texto, que apesar do domínio de conservadores no Congresso Constituinte, avançou em uma série de coisas, principalmente no que diz aos direitos e garantias individuais, previstos no art. 5º supra mencionado e em todos os seus 77 incisos, considerado “cláusula pétrea”, ou seja, não pode ser alvo de emenda constitucional, só podendo ser modificado por uma nova assembléia constituinte. Fizemos questão de mencionar o texto do inciso IX por uma razão em particular.

Desde o dia 18 de junho do ano passado está vigor no Estado do Rio de Janeiro a Lei 5.265, de autoria do ex-deputado Álvaro Lins, que impõe uma série de condições para a realização de bailes funk e festas de música eletrônica “denominadas raves”. Entre as exigências para a obtenção de uma autorização para o funcionamento, cujo pedido deverá ser protocolado com uma antecedência mínima de 30 dias, está o “nada a opor” do delegado de polícia e do comandante do batalhão da PM do local do evento. Ou seja, o direito da livre expressão da atividade artística previsto em uma cláusula pétrea da Constituição fica à mercê de delegados e comandantes da PM, o que vem gerando protestos que culminaram com a criação da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APA-FUNK) que tem como presidente o MC Leonardo, que vem lutando para derrubar o texto da lei por ser além de inconstitucional, preconceituoso, dando margem à abusos, com a proibição do Funk, hoje produto de exportação de nossa música, nas mesmas comunidades onde foi criado e de onde saíram seus principais artistas.

Semana passada, a Red Bull organizou um evento em comemoração aos 40 anos do Funk, o Red Bull Funk-se, onde reuniu em uma escola estadual da Tijuca, vários artistas, intelectuais e autoridades para falar sobre a história do Funk desde os seus primórdios até a cena atual, incluindo aí esta lei de cunho fascista, que praticamente proíbe os bailes nas comunidades, deixando o ritmo apenas para as boates da Zona Sul, onde os filhos da elite se divertem, enquanto a favela não tem o direito de expressar sua própria cultura. Este evento da Red Bull teve o apoio das Secretarias estaduais de Educação e de Cultura, que manifestaram o seu reconhecimento à esta face da cultura “vinda do andar de baixo”. No sábado, o evento foi fechado em um grande festão na Fundição Progresso, que reuniu desde o lendário Gerson King Combo com o seu Soul até os DJs e MCs do Funk atual. Tudo ocorreu na maior paz possível e até às 5h, quando a festa terminou não houve registro de quaquer tipo de tumulto.

Confesso que fiquei muito satisfeito com o resultado deste evento, que inclusive teve depoimentos expressivos como o do delegado de polícia Orlando Zaccone, que defendeu o Funk como cultura e a liberdade para a realização de seus bailes nas comunidades.

Hoje, ao abrir o jornal, vejo a declaração do novo comandante-geral da PM do Rio, Coronel Mário Sérgio Duarte, de que irá aumentar a repressão aos bailes funk “porque eles contribuem para o aumento da violência nas comunidades”. Ou seja, como a lei confere aos comandantes de BPM o poder de autorizar ou não a realização dos bailes, realmente as comunidades devem ficar sem a sua diversão. O funk no Rio, independente dos temas fúteis e muitas vezes até pornográficos que hoje dominam suas letras, sempre foi uma manifestação legítima da favela, assim como acontece com o Rap em São Paulo, que também é associado à violência, como também aconteceu com o samba no passado, quando era tratado como “coisa de favelado vagabundo”. Todos ritmos vindos das comunidades, es da cultura negra, e por isso menosprezados pela elite conservadora (apesar de seus filhos e netos gostarem).

Hoje é o dia mundial do Rock, que assim como a música eletrônica hoje em dia, foi associado ao consumo de drogas e também perseguido. Toda esta história me lembra aquela do marido que soube que sua mulher o traía com o vizinho no sofá da sala. Qual foi a solução? Tirar o sofá da sala.

Infelizmente em pleno ano de 2009, a hipocrisia de nossos governantes ainda é forte e sempre que possível, a senzala se mostra viva, apesar das leis em defesa dos direitos do cidadão, que se tornam letra morta a cada execução de um inocente na favela, em cada pontapé que é dado na porta de um barraco, em cada abuso de autoridade que faz mais do que atual a letra do hino da Internacional Socialista, composta em 1870, por Eugene Pottier quando o mesmo fala que “o crime do rico a lei o cobre, o Estado esmaga o oprimido. Não há direitos para o pobre e ao rico tudo é permitido”.

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