Que o Brasil, a exempo de muitos outros países mundo à fora é um país corrupto, isso ninguém tem dúvida. Tudo começou quando do descobrimento, há mais de 500 anos, quando Pedro Álvares Cabral e sua equipe passaram a subornar os nativos com espelhos, pentes e outras bugingangas, o chamado escambo. De lá prá cá a roubalheira só cresceu e infelizmente se tornou uma coisa cultural. O famoso "jeitinho brasileiro" de querer se dar bem em tudo já dá uma idéia desta cultura.
Uma vez ouvi uma frase que realmente tive que concordar com seu sentido: "a corrupção é um grande negócio imundo, da qual você não faz parte". E se formos ver quanta gente que levantava a bandeira da ética e, quando teve oportunidade de levar o seu, esqueceu tudo o que disse, ficamos de queixo caído. Mas esta espécie causada não é suficiente para que não ajudemos a participar e alimentar esta rede de corrupção, mesmo achando que determinados atos são "normais". O sujeito quando é abordado por um policial com o documento do carro vencido e aceita ser achacado pelo agente está alimentando a corrupção. Aí vem a justificativa: "Poxa, ele ia rebocar o meu carro!". Da mesma forma que o serventuário da justiça que aceita propina de advogado pra adiantar ou atrasar processos pode afirmar: "esse extra é pra faculdade da minha filha" e o causídico que paga justifica que "se não for assim o processo não anda e eu demoro a receber meus honorários". Tudo, hipoteticamente tem suas razões. Neste momento ninguém acha que está sendo corrupto.
Entrando na página da tal Marcha contra a corrupção, que está sendo convocada para esta terça-feira, o que pude perceber através de seus tópicos é que o movimento é apartidário, mas é contra a participação de militantes de partidos políticos, inclusive é contra os próprios partidos, o congresso, a justiça, o governo, ou seja, contra as instituições republicanas que julgam estar dominadas pela corrupção. Ao mesmo tempo não apontam saídas. Clamam por faxina como se algum governante, com uma canetada ou uma varinha de condão tivesse a capacidade de decretar o fim da corupção no país.
Outra coisa que pude perceber, na página da tal marcha, é que este movimento travestido de apartidário e contra a corrupção, na verdade esconde um movimento para a tentativa de desestabilização e derrubada do governo democraticamente eleito, como se este governo e os dois que o antecederam, tivessem inaugurado o ciclo de corrupção deste país. A grande mídia vende esta idéia, políticos como ACM Neto, cuja família tem uma das histórias mais tristes da política deste país, agora posam de paladinos da moralidade pública. Vejam que o próprio FHC não tem vindo à público bater nesta tecla, pois sabe do perigo que existe nestes movimentos obscuros e também sabe que seus governos também tiveram "n" escândalos de corrupção. E os governos que virão também terão, enquanto uma ampla reforma política e constitucional não for feita, para que presidentes, democraticamente eleitos com seus planos de governo, não fiquem reféns de congressos fisiológicos.
Mas o que mais me chama atenção são algumas pessoas, que a esta altura do campeonato, inclusive, defendem o regime militar, dizendo "naquela época não tinha disso". Ou estas pessoas não conhecem a história do Brasil, ou estão mal intencionadas. Quando se fala em baixa política, o primeiro nome que vem a cabeça sempre é do Senador José Sarney. E não foi a ditadura militar que o alçou ao status de imperador do Maranhão? Maluf não foi eleito ao governo de SP pelo PDS, partido que dava suporte aos militares?
O dedo em riste, o falso moralismo e este ataque às instituições fazem lembrar da Marcha da Família com Deus, que deu suporte ao golpe militar de 1964. Ali ninguém nunca deu propina, todos pagam de forma religiosa o imposto de renda e, se um dia tiverem oportunidade de entrar em um esquema para faturar uma grana preta, não só se negará, mas denunciará tudo ao Ministério Público. Por falar no MP, vale ressaltar que o Parquet, ao lado da PF, do TCU, da CGU e de outros órgãos de controle, vem fiscalizando e investigando a corrupção neste país. Isto acontece porque, apesar de todos os problemas, vivemos em um estado democrático de direito, o que não acontecia na época da ditadura militar, portanto, não havia esta liberdade de investigação.
Bem, para não ficar muito longo este texto, digo que o processo contra a corrupção ele é longo, gradativo e paulatino e deve ser feito no dia-a-dia, não só pelo Estado em todas as suas esferas, mas também pelo cidadão, que a partir do momento em que se nega a participar de sua cadeia alimentar, contribui para que ela não se expanda. É um trabalho muito difícil, pois vai desde o policial corrupto, passando pelo chefe de repartição, juízes, vereadores, advogados, médicos, prefeitos, ou seja, uma rede interminável, de uma capilaridade extrema, que passa pela sociedade e todos os níveis de governo. Sempre vai ter que haver um início e isso passa pela luta por uma reforma política ampla e também por uma reforma constitucional que tire o caráter parlamentarista de nossa constituição, a adequando ao regime presidencialista que foi aprovado pelo povo no plebiscito. A reforma do Código de Processo Penal também é importante. Mas a principal reforma é a cultural, para que as pessoas deixem de achar normal determinadas condutas e a corrupção deixe de ser endêmica em nosso país.
Esta marcha terá o mesmo efeito que vária "marchas pela paz" já realizadas, como se o corrupto fosse parar de fazer suas maractuaias e o bandido parar de deliquir, sensibilizado pela mobilização popular. A falta de objetivos, o maniqueísmo latente e principalmente a falta de uma cara verdadeira me faz não me permitir ser usado para fins não muito claros e me faz alertar aos terceiros de boa fé para que não deixem ser coptados e usados de fantoches para dar suporte a finaliades que podem ser pouco republicanas.
Na história, sempre que esta bandeira foi levantada, tivemos episódios tristes. Foi assim com Jânio, cujo símbolo era exatamente uma vassoura, que prometia "varrer a sujeira deste país" e vimos o que aconteceu na sequência. Foi assim com Collor, que se apresentou ao Brasil como o "caçador de marajás", para na sequência confiscar a poupança do povo e instalar uma grande rede de malfeitos em Brasília. Bem, a história nos dá os exemplos. Cabe a cada um deicidir pela sua cabeça. Por isso que, como uma pessoa que acha que lugar de corrupto é na cadeia e militar é no quartel, declino do convite para participar deste movimento obscuro, pois sei que a democracia é a única coisa que garante este longo caminho para estirpar o câncer da corrupção do seio de nossa sociedade e governos.
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