quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Rio - cidade da marola


Há mais ou menos oito anos atrás eu tive um momento muito delicado em minha carreira. Eu vivia uma transição: mesmo com o funk em uma relativa alta e o Rap como uma mera expectativa, decidi segmentar meu trabalho – que sempre teve o hip hop presente desde os primórdios, em meados dos anos 90, no Burako Loko em Arraial D'Ajuda – para a Black Music.

Nesta época, sofri muito preconceito: no lado do Rap me viam como mais um oportunista que queria usar o Rap pra se dar bem (quem se deu bem com o Rap tirando o D2, o Gabriel e o pessoal dos Racionais?), um 'playboy jiujiteiro”. Por outro lado, no chamado main stream as mesmas pessoas que me tratavam como ídolo devido ao sucesso de “Calça da Gang”e batiam bundinha no “Caldeirão do El Turf” passaram a me taxar como “funkeiro metido a tocar hip hop” -como se essas mesmas pessoas que na referida festa na Gávea, onde, pasmem, eu tocava por oito horas seguidas, nunca tivessem percebido, que pelo menos metade deste tempo era ocupado pelo Rap e pelo R´n´B, conhecido aqui no Rio pelo vulgo de Charme.

Foi uma época difícil, portas se fechando e eu me lembro de uma determinada situação, quequase me levou a abandonar a profissão: eu iria tocar em uma casa famosa no Leblon, numa festa que rolava quarta-feira para um público que chamam de “formador de opinião” (muitas vezes esta opinião é prá lá de obtusa, mas tudo bem). Mandei um e-mail para o César Tartaglia do O Globo, que na época escrevia uma coluna muito lida chamada “Pessoas”, pedindo para que desse uma notinha sobre a minha participação na tal festa no Leblon, no que fui atendido com uma nota muito bacana. Quando estava no meu carro indo de Laranjeiras (onde eu na época morava) para a tal festa, já na Lagoa, recebi uma ligação do produtor do evento, dizendo que não era mais para eu ir. Ao indagar o motivo, veio a resposta: os seus sócios no evento – que na época eram de uma ONG assistencialista – viram a nota no jornal e acharam que a minha participação iria “queimar o evento”. Afinal, como poderia um ex-funkeiro, tocar para este público “formador de opinião”? Fiquei arrasado. Encostei o meu carro naquele posto BR em frente ao Parque dos Patins e comecei a chorar, meio que de raiva, meio que de desilusão. Como as pessoas poderiam ser tão preconceituosas assim? E olha que eu sempre pertenci à classe média, frequentava praia no Posto 9 e no Country em Ipanema, faixa-preta de Carlson Gracie, ao mesmo tempo que desde a década de 80 frequentei templos do underground carioca como os extintos Crepúsculo de Cubatão e Dr Smith assim como frequentava na época a Bunker, rotulada por muitos como “casa de viado”. Imaginem só se eu fosse alguém de comunidade? Mas, levantei a cabeça e segui em frente na minha luta, muitas vezes metendo o pé na porta, mostrando serviço e personalidade,conquistando o respeito de todos, principalmente do movimento hip hop local e nacional, do qual me considero um militante.

O engraçado é que este mesmo público “formador de opinião”, que era do hip hop, algum tempo depois, passou novamente a venerar ídolos do funk como DJ Marlboro, Catra e Sapão e, hoje em dia, curte música eletrônica e vai para as raves, pois o Rio é a cidade da marola. E como bom maroleiro, grande parte deste público, com todos os seus preconceitos, rótulos e estereótipos, aderiu em peso à tal “onda verde” que queria levar Gabeira à prefeitura do Rio de Janeiro, cuja candidatura sempre se valeu de artistas meio que sofisticados em sua campanha e, que no final, pra dar um “q” de popular, colocou uma declaração do MC Marcinho – que ao contrário dos outros aristas, não apareceu cantando, porque colocar o “tamborzão” pra tocar também seria para este povo elitista, demais da conta. A tal “onda verde”, felizmente, como todas as outras, terminou em espuma a morreu na praia, para o bem de nossa cidade.

É por isso que em 2004 eu gravei o Rap V.I.P. (Vim Impossibilitado de Pagar) que fala mais ou menos deste “Rio da Marola” onde fiz questão de fazer alusão ao povo “formador de opinião”, cujo clipe, dirigido por Jodele Larcher, exibido em várias emissoras, concorreu, naquele ano aos Prêmios Hutuz, VMB e da ABC. Assista e divirta-se: http://www.youtube.com/watch?v=BLIaylFReos

Um comentário:

Anderson Ferreira disse...

Saddam seu artigo é perfeito e mostrou muito bem o que significava a campanha de Gabeira, apenas uma onda.
Mas devemos concordar que a Cidade do Rio de Janeiro, escolheu pelo menos pior. Mas devemos fazer votos que o Eduardo Paes tenha um projeto de governo e não um projeto de poder.
abraços
anderson ferreira